24 de junho de 2008

O primeiro barraco de amor...



1960.Todos os dias, sentadinha no degrau de entrada da Vila num bairro de imigrantes italianos em São Paulo, eu esperava ansiosa 6.10h da tarde ,quando o ônibus saído do Anhangabaú chegava. Super lotado, trazia meus jovens pais.Eu corria em disparada para encontrá-los e sentia a delícia que era, de olhos fechados, dar um giro muito alto no ar, nos braços do meu velho.A avó já tinha me dado o banho diário , sempre na cozinha.Água esquentada no balde e despejada numa grande bacia de alumínio colocada sobre o granito da pia .Para eu não tomar friagem no banheiro lá de fora –o único da casa.
O tempo tinha o ritmo da minha infância .Era possível brincar, dançar rock and roll, sujar-se muito,comprar pão na venda da esquina e marcar na caderneta, ouvir as novelas românticas do radio com minhas tias e sonhar,comer fruta roubada do quintal da dona Bela – a feliz proprietária da única tv da Vila.
Dona Bela é uma capítulo à parte.Para dar uma de fina e se exibir à plebe pidoncha, colocava papel celofane vermelho sobre a tela. Era bem legal.A vida na primeira novela da tv ficava menos triste e o amor de Robertinho Limonta certamente daria certo e com final feliz se ela mantivesse o colorido. Era uma pessoa extremamente velha, mas muito velha mesmo,a mais velha que minha imaginação podia alcançar :uns...50 anos !!!!Seu filho era estranho ,não se casou, era velho também, sua voz lembrava a de uma das tias – ele era coroinha da igreja Nossa Sra. Da Glória.
Das 5 irmãs, minha mãe foi quem primeiro se casou, a única com brasileiro (filho de italianos - eu não escaparia mesmo ).Nesse tempo, eu aproveitava a folga momentânea que a vida me dava:única filha,única neta,única sobrinha. Oferta de carinho muito maior que procura .
As 6.00h da manhã meu pai me deixava na avó,sempre com um indefectível pedaço de pão italiano com manteiga aviação e açúcar.Eu gostava muito de observar a dedicação que as tias mais velhas tinham com os serviços de casa. O dia todo ficavam às voltas com uma fuligem preta causada pelos escapamentos dos ônibus e caminhões que vinha da oficina bem próxima.Uma das tias chegava a chorar indignada por tal sorte, indignação que se repetia em dias chuvosos ,quando as goteiras manchavam o piso de cimento muito vermelho e caprichosamente encerado.Era um dramalhão mexicano.
Pelas minhas tias ganhei 4 tios importados: 2 italianos e 2 portugueses.Minha avó, que não era boba nem nada, assim que o namoro ficava firme(lá pelo 2° mês)propunha aos namorados que almoçassem em sua casa no lugar das pensões da redondeza,ela faria uma preço melhor para ajudá-los( e conheceria melhor o caráter dos incautos ).Era um pedido sutilmente imposto. Não havia recusas.
Tia Marieta,a do meio,era super alto astral, alegre,cantante.Não por acaso um bonito italiano recém-chegado,“mecânico de mão- cheia”que veio para trabalhar na bendita oficina fedorenta, engraçou-se com ela.Ela transcendeu os macacões fedidos e cheios de graxa-e de graça!.Foi amor à primeira piscada de "bongiorno".Para nós duas.
Apesar dos protestos da avó,tio Franco me pegava no colo e partilhava comigo seu almoço,a salada de rúcula,depois o arroz com feijão,bife ou ovo frito.KiSuco ou Tubaína somente nos domingos ou nos aniversários.Ele me tratava por “minha namorada” e eu ostentava com orgulho o título,eu,que queria envelhecer logo por duas razões:ir à Escola e casar com ele.
Mas a vida já naquela altura me preparava a primeira lição de amor, pouco tempo depois:dor,decepção e muitas lágrimas pautaram o dia mais triste da minha,até então,curtíssima existência.No meu terceiro ano de vida,inconsolável e aos berros, eu reivindicava direitos. Não entendia por que meu pai segurava-me forte do lado de fora da igreja muito bravo comigo ameaçando-me como nunca fizera , de uma boa sova, caso eu continuasse a atrapalhar a cerimônia de casamento do meu tio italiano com a minha tia Marieta.

Meu tio Franco está vivo,mora na Móoca-SP, é forte e ranzinza aos 78 anos de idade.

Boa semana , galera.

Agora só faltam 6 dias !!!!

24 comentários:

Jens disse...

Bonitas recordações, Cris. Bonitas e comoventes. Lembrei também dos meus tempos de televizinho (inclusive com o celefone em frente a telinha).
O primeiro amor tem destas coisas incompreensíveis, principalmente para uma menininha de três anos. Dói mas passa (passou, né?).
Muito belo o texto. Parabéns.
Um beijo.

dade amorim disse...

Um lindo depoimento, Cris. Essas memórias da infância são, foram e serão sempre a raiz de toda literatura. Não que todos os escritores sejam sempre autobiográficos. Mas que começam ou passam por aí de alguma forma, com certeza. Afinal, é nessa fase que se começa a experimentar o mundo e as pessoas.
Beijo beijo.

Mamãe de primeira viagem disse...

que delícia relembrar o passado...
achei linda sua história...
fiquei construindo as cenas aqui na minha cabeça....
beijos....

Ricardo Rayol disse...

ahahahaha muito legal.

Susete Evaristo disse...

Li a tua bonita hitória e à medida que progredia na leitura visualizava aquela menina linda e enamorada. Uma vivência que agora recordas com uma ternura que bem se sente nas tuas palavras.
Beijinhos

Anônimo disse...

Cris, você começou a escrever sua biografia? Que lindo texto, guria! Adelaide disse bem, "Essas memórias da infância são, foram e serão sempre a raiz de toda literatura". E eu digo que delas brotam muito mais que saudades, chegamos a colher doces frutos através daquilo que muitos momentos fizeram nascer e se desenvolver em nossa formação.

E a foto da infância? Quem com nossa idade não tem uma assim? Acabo concluindo que nossos pais eram todos iguais. E nós, "ainda somos os mesmos e vivemos como".

6 dias? Hã!

Anônimo disse...

Oi, Jens.
Passou sim. Pelo meu tio passou.
Agradeço publicamente o estímulo

Bj

Cris disse...

Adelaide..
Eu tenho uma memória dolorosamente boa...Esse pedaço da vida , tão marcante ,poderia desdobrar-se em 4 ou 5 textos mais. Mas a intenção era apenas falar de amor.Obrigadíssima pelo carinho, viu?

beijão.

Cris disse...

Cacá...
Os tempos eram tão outros! mas quer saber? não troco o hoje por nada desse mundo!Tenho dito.

beijo, garota.

Cris disse...

Rayol..

Viu só que entregada na idade? Fazer o quê, né? Enquanto a meia sola for possível, vamos propalando...

beijão, lindo.

Cris disse...

Susete...

Menina,foi difícil eleger um blog dentre os teus , uma mais gostoso que outro. Escolhí "Queluz", não sei por quê . Estarei lá sempre que possível. Muito me honra a presença aquí de portugueses.

Beijão, querida.

Cris disse...

Oi, Ery, meu amigo querido..

Não , não estou a escrever minha biografia não...rsrsr. Gosto mesmo é de falar de amor com humor...dói menos e fico menos chata!.
Esse surto aí foi um estímulo que recebí quando contei a história.

beijão queridão.

Tânia Defensora disse...

Oi Cris!
Sessão saudosismo hein?
Eu já fui do Rotaract durante muito tempo. Adorava esse clube de serviço.
Trabalhamos muito em prol de várias causas.
Gostaria muito das dicas que vc se referiu lá no meu blog.
Bjos

Anônimo disse...

Tânia:
Fim de semana vou procurar algum material pra te mostrar...

beijão, linda.

Anônimo disse...

Eu preciso parar de escrever, até porque as letras sempre me confundem. As minhas expressões não têm sentido e a conclusão é ambígua e desconexa. Eu não quero pensar mais nisso. Fazer jogo de palavras, mesmo jogando sozinho eu perco. Perco para mim ou ganho de mim, nem sei. Perco e me perco no juízo, no sentido dos períodos e orações. Os acentos, para que servem, se não me lembro? Da pontuação eu não tenho medo, pois de todos os que eu sei eu só uso um. Só um. O ponto final. E tenho dito.

silvioafonso



.

Cris disse...

Silvio Afonso:

Adoro ponto final para recomeçar e reticências para por um fim.
Falas de boca pra fora, claro, mas se parares de escrever, ninguém aguentará o rio de lágrimas selva afora.
Venderei lenços.

ósculos intrigados.

CAntonio disse...

Cris,


PelamordeDio. Só faltou dizer que o pão era da padaria São Domingos.

Belos tempos hein? As nonas conversando nas portas das casas...

Quer saber? Recordar é viver (alguém já disse) mas - e sempre há um MAS - caimos na real e nos damos contas que o mundo à nossa volta está envelhecendo: mas só o mundo; nós apenas ficamos mais saborosos (somos como o vinho).

E viva as "nona" do bixiga também...



GrandAbraço

Jonice disse...

Que gostoso ler-te, Kikote!

Beijo :)

Anônimo disse...

CAntonio..

Eco! Somos mais saborosos sim, a maioria ( alguns "da turma" tornaram-se vinhos amargos, não? ) mas só alguns.

Adoro recordar esse pedaço da italianada , C.
Tua presença aquí é obrigatória, estamos combinados? Viu só o Lula fazendo carinho no Pelé? Achei mui meigo!

beijão.

Anônimo disse...

Joka!!!

Agora uma frase modesta e humilde, como convém a uma semi-intelectual Ter-me que é bom...rsrsrsr

beijão, irmã-mais-que-de-sangue.

(Tô chegando, Curitiba).

Marcelo F. Carvalho disse...

Cris, eu não esqueci de você!
Como estou em Semana Pedagógica, está tudo muito corrido, mas, assim que tudo melhorar, olho e posto comentários menos apressados...hehehe...
Abraço forte!

Anônimo disse...

Obrigada pela atenção, professor.
Claro que espero . Estar corrido é sinal de trabalho. Valorizo isso.

bj e até a próxima com calma.

CAntonio disse...

Cris,

Após o caso Fenômeno, eu não duvido de mais nada.

Lula-Pelé? Peledelula, lula-lelé,
Não entro nessa,
sou do tempo do lé-com-lé, cré-com-cré: sapató só no pé!

Bjusmil

Cris disse...

CAntonio.

E um em cada pé...rsrsrsrsrsr.
Beijo do tamanho do fim de semana pra você. Ou seja, na medida.

Outro.